sexta-feira, 25 de junho de 2010

Dulce Maia não é Dilma - Artigo com erros de Elio Gaspari

Há um texto espalhado na internet supostamente publicado na Folha de São Paulo, de autoria de Elio Gaspari sobre a injusta política de indenizações. Porém o texto não é o artigo original do Elio Gaspari, de 12 de março de 2008. O texto na íntegra, obtido da Folha, está ao final deste comentário.

O artigo original do Elio Gaspari trata da política de indenizações a vítimas da ditadura militar mas baseia-se em fatos que foram desmentidos. Tanto a Folha quanto a Revista Veja (edição 2052, 12/03/2008 - pesquisar pelo acervo digital da Veja), 'engoliram' os erros do Elio Gaspari, não atestaram as fontes e publicaram artigos com os mesmos erros. Por esse motivo, a Folha foi condenada pela Justiça a indenizar Dulce Maia pela falsa notícia (ver sentença da Justiça em artigo de Celso Lungaretti, ao final).

Os fatos desmentidos

Nem Diógenes, nem Dulce Maia participaram do atentato, conforme afirmaram os reais participantes. O inocente vitimado pelo atentado perdeu a perna porque teve que depor no DEOPS e não foi atendido a tempo e o ferimento gangrenou. O ferimento, que era recuperável, segundo laudo médico.

Ver resposta de Celso Lungaretti em carta à Folha de São Paulo:


Ditadura

"O colunista Elio Gaspari foi extremamente infeliz ao pinçar um caso isolado e atípico para desqualificar o programa de anistia do Ministério da Justiça, que tem erros, mas é um passo na direção certa ("Em 2008, remunera-se o terrorista de 1968", Brasil, 12/3). Desconheço se Diógenes Carvalho Oliveira cometeu mesmo os atentados que lhe estão sendo atribuídos. Provavelmente, essa informação provém dos inquéritos inconfiáveis da ditadura militar. Em segundo lugar, Gaspari parece colocar em planos diferentes os atos cometidos pela vanguarda armada antes e depois da promulgação do AI-5, como se o país não estivesse sob ditadura. O exercício do direito de resistência à tirania independe da intensidade da tirania."
CELSO LUNGARETTI , jornalista, escritor e ex-preso político (São Paulo, SP)


Sérgio Ferro, o único participante do atentado que estava vivo quando apresentou essas declarações, respondeu à Folha, em 19/03/2008, no Painel do Leitor:

Atentado

"A
Folha publicou, em 12/3 e em 14/3, dois textos sobre a injusta pensão especial recebida pelo senhor Orlando Lovecchio Filho, vítima de uma ação contra o consulado americano em 20/3/1968.
Devo retificar, por ser o único sobrevivente dessa ação, algumas afirmações que constam dos dois textos.
1. O senhor Diógenes Carvalho de Oliveira e a senhora Dulce Maia não participaram da ação.
2. O senhor Diógenes Carvalho de Oliveira não organizou a ação, que foi iniciativa da ALN, e não da VPR."
SERGIO FERRO (São Paulo, SP)

O Sr. Eduardo Lovecchio, vítima do atentado, coincidentemente respondeu no mesmo dia:

Nunca faltei com a verdade com a reportagem, como foi publicado na seção "Erramos" em 15/3, e informo que o nome de Dulce de Souza está descrito quando da pratica daquele ato insano que me vitimou, como mostra o Auto de Qualificação e de Interrogatório de Sergio Ferro Pereira, feito no Dops-SP, em 29/3/1971, no qual é relatado com detalhes quem era quem e a função de cada um quando do atentado."
ORLANDO LOVECCHIO FILHO (Santos, SP)



Segundo o jornalista Celso Lungaretti, Sérgio Ferro fez o depoimento sob tortura.

Elio Gaspari republicou o artigo com as correções em 23/março/2008 (disponível para assinantes). Está abaixo, em seguida ao primeiro artigo de 12/março/2008.

Segundo Celso Lungaretti, a Folha resistiu, mas, publicou um "Erramos" que não foi possível acessar no site da Folha.

A Folha, um ano depois, foi condenada pela Justiça a indenizar Dulce Maia pelo erro. Ver artigo no Observatório da Imprensa, no final deste comentário.

Dulce Maia não é Dilma Roussef.

A Dulce e a Renata não são pseudônimos de Dilma, mas correligionárias.
Conforme artigo publicado na Revista Veja, Dilma fora membro da VAR-Palmares e não da Vanguarda Popular Revolucionári-VPR. Também não há menção de que ela tenha participado do atentado ao Quartel General do II Exército, hoje Comando Militar do Sudeste, no Ibirapuera, em São Paulo.

Os milicos e reacionários de pijama e as empresas contratada pelo PSDB/DEM para propagar mentiras na internet continuam na ativa em blogs, e-mails, comentários e cartas aos jornais e revistas, etc.

.............................................................................................................................

Artigo de Elio Gaspari na Folha, onde se iniciou toda a confusão envolvendo o nome de Dulce Maia em um atentado no qual ela não participou

São Paulo, quarta-feira, 12 de março de 2008

ELIO GASPARI

Em 2008 remunera-se o terrorista de 1968

A vítima, que ficou sem a perna, recebe R$ 571; Diógenes, da turma da bomba, fica com R$ 1.627


DAQUI A OITO dias completam-se 40 anos de um episódio pouco lembrado e injustamente inconcluso. À primeira hora de 20 de março de 1968, o jovem Orlando Lovecchio Filho, de 22 anos, deixou seu carro numa garagem da avenida Paulista e tomou o caminho de casa. Uma explosão arrebentou-lhe a perna esquerda. Pegara a sobra de um atentado contra o consulado americano, praticado por terroristas da Vanguarda Popular Revolucionária. (Nem todos os militantes da VPR podem ser chamados de terroristas, mas quem punha bomba em lugar público, terrorista era.)
Lovecchio teve a perna amputada abaixo do joelho e a carreira de piloto comercial destruída. O atentado foi conduzido por Diógenes Carvalho Oliveira e pelos arquitetos Sérgio Ferro e Rodrigo Lefèvre, além de Dulce Maia e uma pessoa que não foi identificada.
A bomba do consulado americano explodiu oito dias antes do assassinato de Edson Luís de Lima Souto no restaurante do Calabouço, no Rio de Janeiro, e nove meses antes da imposição ao país do Ato Institucional nº 5. Essas referências cronológicas desamparam a teoria segundo a qual o AI-5 provocou o surgimento da esquerda armada. Até onde é possível fazer afirmações desse tipo, pode-se dizer que sem o AI-5 certamente continuaria a haver terrorismo e sem terrorismo certamente teria havido o AI-5.
O caso de Lovecchio tem outra dimensão. Passados 40 anos, ele recebe da Viúva uma pensão especial de R$ 571 mensais. Nada a ver com o Bolsa Ditadura. Para não estimular o gênero coitadinho, é bom registrar que ele reorganizou sua vida, caminha com uma prótese, é corretor e imóveis e mora em Santos com a mãe e um filho.
A vítima da bomba não teve direito ao Bolsa Ditadura, mas o bombista Diógenes teve. No dia 24 de janeiro passado, o governo concedeu-lhe uma aposentadoria de R$ 1.627 mensais, reconhecendo ainda uma dívida de R$ 400 mil de pagamentos atrasados.
Em 1968, com mestrado cubano em explosivos, Diógenes atacou dois quartéis, participou de quatro assaltos, três atentados a bomba e uma execução. Em menos de um ano, esteve na cena de três mortes, entre as quais a do capitão americano Charles Chandler, abatido quando saía de casa. Tudo isso antes do AI-5.
Diógenes foi preso em março de 1969 e um ano depois foi trocado pelo cônsul japonês, seqüestrado em São Paulo. Durante o tempo em que esteve preso, ele foi torturado pelos militares que comandavam a repressão política. Por isso foi uma vítima da ditadura, com direito a ser indenizado pelo que sofreu. Daí a atribuir suas malfeitorias a uma luta pela democracia iria enorme distância. O que ele queria era outra ditadura. Andou por Cuba, Chile, China e Coréia do Norte. Voltou ao Brasil com a anistia e tornou-se o "Diógenes do PT". Apanhado num contubérnio do grão-petismo gaúcho com o jogo do bicho, deixou o partido em 2002.
Lovecchio, que ficou sem a perna, recebe um terço do que é pago ao cidadão que organizou a explosão que o mutilou. (Um projeto que revê o valor de sua pensão, de iniciativa da ex-deputada petista Mariângela Duarte, está adormecido na Câmara.)
Em 1968, antes do AI-5, morreram sete pessoas pela mão do terrorismo de esquerda. Há algo de errado na aritmética das indenizações e na álgebra que faz de Diógenes uma vítima e de Lovecchio um estorvo. Afinal, os terroristas também sonham.

..........................................................................................................

Notícia da Folha de São Paulo baseada no artigo de Elio Gaspari. Por causa desta notícia, a Folha foi obrigada pela Justiça a indenizar Dulce Maia.

14/03/2008 - 10h00

Vítima de atentado durante ditadura se sente injustiçado

da Folha de S.Paulo

Vítima de um atentado praticado pela Vanguarda Popular Revolucionária, em 1968, contra o consulado dos EUA no Brasil, Orlando Lovecchio Filho, 62, descobriu que seu algoz ganha do governo federal uma ajuda mensal de R$ 1.627 mais R$ 400 mil por atrasados, conforme informou anteontem o colunista Elio Gaspari.

Em janeiro, o governo reconheceu o economista gaúcho Diógenes Carvalho de Oliveira, ex-petista e um dos que participaram do atentado, como anistiado político.

"O governo negou duas vezes o meu pedido de ajuda. O autor do dano tem mais direito do que a vítima", disse.

Ele perdeu parte da perna após a explosão de uma bomba e ainda teve de provar que não tinha responsabilidade no atentado. Hoje recebe do governo R$ 571 mensais.

Também participaram da ação os arquitetos Sérgio Ferro, que vive na França, Rodrigo Lefèvre, morto em 1984, Dulce Maia, que mora no interior paulista, e um homem não identificado.

"Eu era um estudante comum, nem de direita nem de esquerda. Voltava para casa quando fui ferido." A explosão o arremessou para o outro lado da calçada. O tímpano esquerdo foi furado.

"Foi o fim do sonho de ser piloto comercial", afirmou.

O Ministério da Justiça informou que é lei é para perseguido político e que Lovecchio não se enquadra nesse perfil. Diógenes não foi localizado pela reportagem.

............................................................................................................
Ver artigo com retificações de Elio Gaspari, alguns dias após o primeiro artigo

São Paulo, domingo, 23 de março de 2008



ELIO GASPARI

O terrorista de 1968 remunera-se em 2008

A família do soldado morto no atentado recebe R$ 1.140 mensais, já o rapaz da VPR fatura R$ 1.627

QUARENTA ANOS DEPOIS do atentado a bomba contra o Consulado Americano em São Paulo, Sérgio Ferro, intitulando-se "único sobrevivente" do grupo terrorista que fabricou, transportou e detonou o explosivo, informa:
1) Diógenes Oliveira e Dulce Maia não participaram dessa ação. 2) A ação foi iniciativa da ALN (Ação Libertadora Nacional), e não da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária).
Quem disse que Diógenes, o "Luís", e Dulce de Souza, a "Judith", participaram do atentado, organizado pela VPR, foi o doutor Sérgio Ferro em seu depoimento à polícia em 29 de março de 1971. Na ocasião, Ferro estava preso e a tortura era uma política de Estado para obtenção de confissões, verdadeiras ou falsas. Passados 37 anos, Ferro julgou oportuno corrigir seu testemunho. Em 1969, na prisão, Pedro Lobo de Oliveira e Diógenes, ambos da VPR, revelaram suas participações no atentado. Diógenes admitiu ter fabricado a bomba, com "um ou dois quilos de dinamite".
Quando Ferro incriminou Dulce de Souza Maia, sabia que ela estava a salvo, no exílio. Além disso, uma bomba a mais, uma bomba a menos, não faria muita diferença na carga que a polícia imputava à dupla mencionada por Ferro.
Diógenes e Dulce foram associados a dois retumbantes atentados terroristas. No dia 26 de junho de 1968, a VPR lançou um caminhão-bomba com 15 quilos de dinamite contra o Quartel General do 2º Exército, em São Paulo. Na explosão, morreu o soldado Mário Kozel Filho, de 18 anos. Dulce Maia contou sua participação nesse episódio numa entrevista a Luiz Maklouf Carvalho. Ela foi publicada no livro "Mulheres que foram à luta armada", em 1998. Diógenes nunca falou publicamente sobre o caso. Os documentos conhecidos, que devem ser vistos com reservas, são o depoimento dele e de camaradas seus, todos presos. Diógenes admitiu ter fabricado a bomba. Onofre Pinto, que participou do atentado, disse que Diógenes acendeu o estopim.
Diógenes e Dulce também foram acusados de terem participado do planejamento e do assassinato do capitão americano Charles Chandler, em outubro de 1968. Na mesma entrevista a Maklouf, Dulce narrou sua colaboração no levantamento dos hábitos do capitão. Diógenes nunca discutiu esse atentado em público. Contudo, Pedro Lobo de Oliveira, seu colega de VPR, contou aos organizadores do livro "Esquerda Armada no Brasil", premiado em Cuba em 1973, que eram três as pessoas que estavam no carro do qual partiram os assassinos do capitão: ele, que ficou ao volante, e mais dois, um com um revólver e outro com uma metralhadora. Pedro Lobo não os nomeou. Informou que a dupla só foi identificada quando um militante da VPR que "sabia quais os companheiros que haviam participado" contou o caso à polícia, na prisão. Esse "delator", Hermes Camargo, tornou-se um colaborador do regime. Anos mais tarde ele repetiu o dois nomes numa entrevista a "O Estado de S. Paulo": os atiradores foram Diógenes Oliveira, o "Luís", e Marco Antonio Brás de Carvalho, o "Marquito", morto meses depois do atentado.
Assim como deve-se dosar o crédito às confissões de Sérgio Ferro e deve-se duvidar dos depoimentos de pessoas presas, é necessário registrar que a narrativa de Diógenes, preso, é semelhante à de Pedro Lobo, solto. Diógenes reconheceu ter sido um dos autores dos disparos.
Orlando Lovecchio, que teve a perna esquerda amputada abaixo do joelho por conta da explosão da bomba que Sérgio Ferro e seus camaradas puseram no Consulado Americano, recebe R$ 570 mensais da Viúva. Os pais do soldado Mário Kozel conquistaram em 2003 uma pensão de R$ 330, reajustada no ano seguinte para R$ 1.140 mensais. Desde o dia 24 de janeiro, Diógenes ficou em melhor situação. Ele ganhou uma Bolsa Ditadura de R$ 1.627 mensais (as vítimas, juntas, recebem R$ 1.710), com direito a R$ 400 mil de atrasados. Repetindo: há algo de errado na aritmética das indenizações e numa álgebra que acaba remunerando melhor o terrorista que participou de um atentado do que a família da sentinela assassinada ou o transeunte amputado.

….......................................................................................................................................

Ver artigo de Celso Lungaretti sobre a condenação à Folha de São Paulo pela Justiça.

Ver no link

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=536JDB005

ANOS DE CHUMBO


Folha condenada a indenizar militante que caluniou

Por Celso Lungaretti em 5/5/2009

Acaba de ter desfecho exemplar o episódio algoz e vítima, o primeiro em que um contingente mais amplo de leitores contestou as versões deturpadas da Folha de S.Paulo sobre acontecimentos dos anos de chumbo: a Justiça de São Paulo condenou a Empresa Folha da Manhã a pagar R$ 18 mil de indenização a Dulce Maia, falsamente acusada pela coluna do Elio Gaspari de haver participado de um atentado ao consulado estadunidense em 1968.

Antes, em julho de 2007, a Folha já se posicionara de maneira grotesca na polêmica sobre decisão da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça favorável aos herdeiros de Carlos Lamarca. Em editorial, o jornal propôs que se fizesse uma distinção entre os militantes que foram torturados e/ou assassinados sob a custódia do Estado e os demais, só reconhecendo aos primeiros o direito à reparação da União.

Na ocasião, fiquei praticamente sozinho na defesa pública do ex-companheiro de lutas, talvez porque muitos hesitassem em identificar-se com personagem tão polêmico. Mas rebati as agressões à memória de Lamarca e rechacei a adjetivação falaciosa da Folha, que se referiu a ele como "terrorista".

Resistência remonta à Grécia

Contestei, ainda, o tal editorial, por não levar em conta que dezenas de militantes foram capturados, levados a centros clandestinos de tortura, supliciados e executados, sem terem sido colocados formalmente sob a custódia do Estado; e, em termos mais amplos, porque "tal distinção só caberia se o Brasil não estivesse, no momento dos acontecimentos, submetido à ditadura e ao terrorismo de Estado por parte de um bando armado que usurpou o poder em 1964 e violou de todas as formas os direitos constitucionais dos cidadãos brasileiros".

Faço questão de repetir o parágrafo no qual proclamei uma verdade há tanto e por tantos escamoteada: "Os cidadãos brasileiros que ousaram confrontar esse regime totalitário, em condições de enorme desigualdade de forças, nada mais fizeram do que exercer o direito de resistência à tirania, que existe e é reconhecido há tanto tempo quanto a própria democracia, já que também remonta à Grécia antiga. Então, não cabe recriminá-los por assaltar bancos, seqüestrar embaixadores e matar agentes de segurança. Também durante a luta contra o nazifascismo foram descarrilados trens, explodidos quartéis, assaltados bancos e mortos policiais e traidores, sem que a ninguém ocorra hoje vituperar os mártires e heróis da Resistência."

Afirmações indefensáveis

Veio em seguida o episódio algoz e vítima, em março de 2008, que dissequei em três artigos publicados em vários espaços virtuais, sem que Gaspari ou a Folha me respondessem diretamente.

Tudo começou em 12/03/2008, quando Gaspari publicou na Folha de S.Paulo uma diatribe contra a União por ter decidido pagar ao suposto algoz Diógenes Carvalho de Oliveira uma indenização duas vezes maior do que a outorgada à sua suposta vítima, Orlando Lovecchio Filho.

Como o primeiro era um militante da resistência à ditadura e o segundo, o cidadão que perdera a perna no atentado supostamente por ele cometido, o assunto logo transbordou do circuito habitual do Gaspari para outros jornais, revistas semanais, sites de extrema-direita e correntes de e-mails neo-integralistas.

Como de praxe, as refutações foram ignoradas pela Folha ou relegadas à seção de cartas (cortadas até se tornarem anódinas, publicadas com imenso atraso etc.), enquanto os espaços nobres serviam para repercutir o texto de Gaspari ou trazer-lhe acréscimos, na vã tentativa de respaldar suas afirmações indefensáveis.

Sem gancho, texto desabava

Tanto a Folha quanto Gaspari chegaram a reconhecer que, dos quatro militantes apontados levianamente como autores do atentado ao consulado estadunidense em 1969, Dulce Maia era inocente e havia sido por eles caluniada.

Mas, nem mesmo o depoimento do único participante ainda vivo desse atentado obteve o merecido destaque, apesar de provocar uma verdadeira reviravolta no caso: Sérgio Ferro, admitiu sua culpa e seus remorsos, mas desmentiu a participação de Diógenes de Carvalho e Dulce Maia, além de esclarecer que se tratou de uma ação da ALN, e não (como Gaspari afirmara) da VPR.

Outra informação importantíssima que a Folha sonegou de seus leitores: Ferro foi acionado na Justiça por Lovecchio e obteve ganho de causa graças aos relatórios médicos que apresentou como prova. O primeiro dava conta de que o ferimento de Lovecchio era grave, mas existia possibilidade de recuperação. Depois, o socorro a Lovecchio foi interrompido pelo Deops, que quis interrogá-lo, provavelmente para saber se ele era vítima do atentado ou um participante azarado. Quando os policiais afinal o liberaram, sua perna já havia gangrenado e teve de ser amputada (2º relatório).

Ora, se o algoz não era algoz, então o texto inteiro do Gaspari perdia o gancho e desabava, bem como as matérias caudatárias publicadas por outros veículos.

Atenuante para acusação falsa

A consciência da vulnerabilidade de sua posição aos olhos dos (poucos) cidadãos bem informados fez Gaspari voltar ao assunto na coluna dominical de 25/03/2008. E o fez recorrendo às informações que, desde o início, foram a viga-mestra de suas perorações fantasiosas: os famigerados inquéritos policiais-militares da ditadura, contaminados pela prática generalizada da tortura.

Como um mero araponga, ele se pôs a revolver o lixo ensangüentado da repressão, dando grande importância ao fato de que havia congruência entre os depoimentos extorquidos dos torturados e omitindo que os torturadores forçavam todos os presos a coonestarem a versão oficial, a síntese elaborada pelos serviços de Inteligência das Forças Armadas, para que o resultado final tivesse alguma verossimilhança.

Como historiador, Gaspari deveria saber (ou sabia e omitiu) que os militantes eram coagidos a admitir os maiores absurdos nas instalações militares e, depois, encaminhados a delegacias civis onde deveriam repetir, sem torturas, as mesmas afirmações. Os que, pelo contrário, desmentiam tudo, eram recambiados aos quartéis e novamente submetidos a sevícias brutais, até se conformarem em obedecer ao script.

Destrambelhado, Gaspari ousou até fazer novo ataque a Dulce Maia, a quem pedira humildes desculpas no domingo anterior. Embora ela não houvesse mesmo participado do atentado contra o consulado dos EUA, Gaspari quis imputar-lhe outras ações armadas, como se isto fosse atenuante para tê-la acusado falsamente.

Compromisso legal e ético com a verdade

Sobre essa escalada de abusos, eis alguns trechos da sentença emblemática do juiz Fausto Martins Seabra, da 21ª Vara Cível Central da Capital:

      "No caso em foco, não se pode esquecer que a notícia inexata foi produzida por jornalista bastante respeitado por substancial obra em quatro volumes sobre a história recente do país, o que lhe impunha maior responsabilidade na divulgação de informações sobre aquele período.

      Impossível supor que todos os leitores da notícia inexata tenham também lido as erratas e os pedidos de desculpas do articulista.

      Ter o nome associado à prática de um crime do qual não participou é suficiente para sofrer sensações negativas de reprovação social, angústia, aflição e tantas outras que consubstanciam danos morais relevantes sob o aspecto jurídico e, portanto, indenizáveis. A ré sustenta que exerceu o direito de crítica (...). De fato, assim agiu ao tecer considerações e até mesmo juízos de valor sobre a discrepância entre as diversas indenizações pagas às vítimas do regime militar.

      Sucede, contudo, que a partir do momento em que afirmou a participação da autora no episódio relatado nos autos, não só extrapolou o direito de crítica, como olvidou o compromisso legal e ético com a verdade. Pouco importa que a autora tenha de fato pertencido a grupo ao qual foram atribuídas ações violentas nas décadas de 60 e 70. A notícia de que participou do atentado ao consulado norte-americano não era verdadeira e, assim, não pode prevalecer diante do direito à honra."